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segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Acalásia (Cardiospasmo; Aperistaltismo Esofágico; Megaesôfago)
A acalásia, termo que significa "insuficiência de relaxamento" ('calásia' = relaxamento), é uma condição esofagiana que ocorre com maior frequência em pacientes com 25 a 60 anos de idade (especialmente antes dos 40 anos de idade), e se caracteriza basicamente por:
(1) déficit do relaxamento fisiológico do esfíncter esofagiano inferior (EEI) durante a deglutição (principal característica);
(2) graus variados de hipertonia do EEI
(3) substituição da peristalse normal do corpo esofagiano por contrações anormais (as peristalses anormais podem tanto ser fracas, de pequena amplitude, quanto extremamente vigorosas).
É uma condição mórbida onde os alimentos ficam acumulados no esôfago e consequentemente ele se dilata .
São considerados distúrbios da motilidade esofagiana as condições patológicas que acarretam disfagia ou dificuldade para deglutição sem associação com obstrução da luz esofagiana ou a compressão extrínseca. Ultimamente há muitas descobertas de vários conceitos fisiológicos sobre a motilidade esofagiana. Enquanto as outras doenças motoras do esôfago têm um número bem menor de publicações.
O termo acalasia é de origem grega e significa privação de relaxamento (a + chálasis). A primeira descrição do quadro clínico foi feita por Thomas Willis (1621-1675), em 1964. Em 1821 Purton fez uma descrição bastante minuciosa do quadro. Em 1882 Mikulicz usando um esofagoscópio descreveu a natureza da obstrução atribuindo-a à espasticidade da cárdia. Em 1915 o termo acalasia foi usado por Sir Arthur Hurst, após fazer estudo com radiografias baritadas em pacientes com disfagia. Em 1916, o brasileiro Carlos Chagas ao estudar o trypanossoma, atribui o “mal do engasgo” ao mesmo agente etiológico da doença que recebeu o seu nome. Em 1933 Amorim e Correa Neto descreveram a natureza das lesões histopatológicas da acalasia.
A acalasia envolve uma falha no relaxamento do esfíncter inferior do esôfago (EIE) aliada a uma dismotilidade do corpo esofagiano, ou seja, não há a produção de ondas peristálticas, criando uma dificuldade de passagem do alimento pela transição esofagogástrica sem que haja uma verdadeira estenose orgânica ou compressão extrínseca.
As alterações motoras do EEI e do corpo do esôfago produzem obstrução à passagem do bolo alimentar,originando o principal sintoma da acalásia: a disfagia motora de condução, que ocorre tanto para sólidos quanto para líquidos, e que costuma surgir insidiosamente, desenvolvendo-se em meses ou até anos.
Os pacientes com acalásia comem devagar, bebem grandes quantidades de água para empurrar o alimento para o stômago e podem até contorcer o corpo (torcendo a parte superior do tronco, elevando o queixo e estendendo o pescoço), para ajudar o alimento a 'descer'. Conforme mais água é deglutida, o peso da coluna líquidado esôfago aumenta, assim como a sensação de plenitude retroesternal, até que o EEI seja forçado a abrir-se e um alívio repentino seja sentido à medida que o esôfago esvazia.
A obstrução da passagem do bolo alimentar, associada às alterações motoras propulsivas, fazem com que o esôfago retenha material não digerido, podendo sobrevir vários graus de dilatação de seu corpo - o paciente geralmente desenvolve, associado às queixas de disfagia, sintomas relativos à regurgitação e broncoaspiração deste material. A maioria dos pacientes com acalásia em estágios avançados desenvolve halitose.
A regurgitação de material alimentar não digerido misturado com saliva, ocorre em 1/3 dos pacientes e pode resultar em crises de tosse e broncoespasmo que geralmente aparecem quando o paciente se deita - ou mesmo em episódios repetidos de pneumonia e abscesso pulmonar, todos em função das broncoaspirações.
A perda de peso é uma constante, mas geralmente é insidiosa e leve a moderada - perda de peso importante e aguda deve fazer levantar a suspeita de câncer de esôfago.
Odinofagia (dor para engolir os alimentos) não é um sintoma característico, mas pode ocorrer, principalmente nos estágios iniciais da doença. A dor torácica (cólica esofagiana) é relatada apenas por alguns pacientes, e resulta de contrações vigorosas no sentido de "vencer" o EEI.
A Doença ocorre em qualquer idade, não tem predileção por gênero. É descrita da infância até a nona década. O pico de incidência ocorre entre os 20 e 40 anos.
Na área endémica da doença de Chagas sempre devemos considerar a possibilidade de 'esofagopatia chagásica' em pacientes com 'acalásia'. A invasão do plexo mioentérico (plexo de Auerbach) pelo Trypanosoma cruzi, causa a disfunção e posterior morte dos interneurônios responsáveis pelo relaxamento do EEI, ao mesmo tempo que lesa neurônios importantes para a peristalse do corpo esofagiano. A doença é mais comum no sexo masculino e tem o mesmo quadro clínico da acalásia idiopática, sendo conhecida popularmente como "mal do engasgo". Os exames baritados e manométricos apresentam as mesmas anomalias. Pela história natural, são quatro fases da esofagopatia chagásica:
I- Forma anectásica: esôfago de calibre normal, apenas com pequena retenção de contraste, 1 minuto após a deglutição.
II- Esôfago discinético: com pequeno aumento de calibre e retenção franca do contraste.
III- Esôfago francamente dilatado (megaesôfago), atividade motora reduzida e grande retenção de contraste.
IV- Dólico-megaesôfago (dólico = alongado).
Como a acalásia chagásica acomete indivíduos na fase crónica da doença, o diagnóstico deve ser sorológico: ELISA (método de escolha), reação de Machado-Guerreiro.
A acalásia é uma lesão esofágica pré-maligna, sendo o carcinoma esofágico uma complicação tardia de 1 a 10% destes pacientes, num tempo médio de 15 a 25 anos.
O diagnostico da acalasia é eminentemente clínico. Nesta doença uma boa anamnese bem feita pode nos indicar muito bem o diagnóstico. O examinador deve estar atento às alterações descritas nas manifestações clinicas. A disfagia deve ser “dissecada” em todos as suas variantes. Importante também observar a história de regurgitação sempre indagando sobre a freqüência e quando a regurgitação é mais freqüente.
Como relatado previamente o quadro clínico da acalasia chagásica e da acalasia idiopática é idêntico. Sendo assim as manifestações clinicas não nos permitirão essa diferenciação.
Freqüentemente temos que lançar mão de exames complementares.
O megaesôfago pode ser detectado em exames convencionais, tais como a radiografia de tórax e a esofagografia baritada, mas tem na esofagomanometria o exame padrão-ouro para a confirmação.
A Radiografia Simples de tórax pode revelar:
ausência da câmara de ar gástrica
massa mediastínica tubular ao lado da aorta
nível hidroaéreo no mediastino na posição ereta,representando material estagnado no esôfago.
espessamento mediastinal
ausência da bolha gástrica
anormalidades pulmonares devido à regurgitação crônica.
O Esofagografia Baritada pode mostrar:
dilatação do corpo esofágico (megaesôfago);
imagem de estreitamento em "chama de vela" em "bico de pássaro" na topografia do EEI.
A radiografia contrastada com bário, exame inicialmente usado por Sir Arthur Hurst em 1916, é de suma importância para a avaliação da acalasia. Nos permite ver o grau de deformação do esôfago. Através da fluoroscopia podemos analisar a dificuldade que o contraste tem para passar pela cárdia e a parada de progressão do contraste devido à aperistalse do corpo esofágico. É um importante exame para afastarmos um dos possíveis diagnósticos diferencias da acalasia que são os divertículos esofágicos.
Rezende et al em 1960, propôs uma classificação da acalasia baseada na radiografia contrastada. Essa classificação é utilizada amplamente e merece ser recordada:
Grau I – Dilatação até 4 cm de diâmetro transverso. Podem ser notadas ondas terciárias e retardo de esvaziamento esofagiano
Grau II – Dilatação entre 4 e 7 cm de diâmetro transverso, observando-se nível liquido de bário e resíduos alimentares, hipotonia e ondas terciárias.
Grau III – Dilatação entre 7 a 10 cm de diâmetro, grande retenção de contraste, atividade motora reduzida e afilamento distal
Grau IV – Dilatação maior que 10 cm ou dolicomegaesofago.
A Esofagomanometria é o principal exame diagnóstico, principalmente quando os exames radiográficos são normais ou inconclusivos. Os principais achados manométricos na acalásia :
(1) incapacidade do EEI em se relaxar em resposta à deglutição;
(2) graus variados de hipertonia do EEI;
(3) aperistalse (ou ausência de contrações progressivas eficazes).
A endoscopia alta
A endoscopia é um importante exame a ser realizado. Em muitas das vezes não é necessário para o diagnostico muitas vezes feito sem problemas pelo radiograma baritado. A endoscopia é muito importante para se avaliar o estado da mucosa esofagiana e verificar a presença de neoplasia esofagiana que entra como um dos principais diagnósticos diferenciais da disfagia. Quando há evidencia de tumor este deve ser prontamente biopsiado.
A endoscopia é um dos principais exames para o seguimento pós tratamento da acalasia é um via usada para algumas formas de tratamento que serão discutidos posteriormente.
A endoscopia confirma a dilatação do corpo do esôfago e exclui uma possível obstrução mecânica como causa da disfagia. Uma 'esofagite irritativa' (mas não de refluxo) pode ser detectada.
A acalásia deve ser diferenciada do carcinoma estenosante distai (pseudo-acalásia) e da estenose péptica. Assim, em todos os pacientes com suspeita de acalásia, deve-se fazer biópsia e citologia de lavados do esôfago distai e do cárdia, para que se possa excluir com segurança alguma condição maligna.
Manometria esofagiana
Manometria é o exame padrão ouro para diagnostico de acalasia. É o exame fundamental, de ótima sensibilidade e especificidade para o estudo motor do esôfago. No caso do esôfago interessa não só a pressão exercida pela sua musculatura, mas também a seqüência com que estas contrações ocorrem. É um importante exame a ser feito no caso de dor na apresentação clinica para o diagnostico diferencial com doenças cardíacas isquêmicas.
As alterações encontradas na acalasia são uma hipomotilidade do corpo esofagiano, um relaxamento débil do EEI durante a deglutição e uma hipertonia do EEI. São vistas ondas sincrônicas de baixa amplitude. Uma pressão no EEI maior que 35mmHg é um achado bastante especifico de acalasia sendo encontrado em 80% dos pacientes.(14) É importante ressaltar que essas alterações não são patognomônicas da acalasia podendo ocorrer também na esclerodermia com acometimento esofágico e outras colagenoses.
A manografia é um importante exame para o acompanhamento no pós-operatório.(11).
A manografia é realizada pela introdução de uma sonda com sensores de pressão que é conectada a um aparelho que mede esta pressão. Um computador interpreta a leitura das pressões e das suas seqüências e através de padrões pré-estabelecidos teremos os diferentes diagnósticos. O exame é feito no consultório e é relativamente rápido.
O traçado acima mostra o registro simultâneo de pressões em seis pontos. No lado esquerdo vemos que o canal 3 está no corpo esofágico (45cm da narina), o canal 4 está no esfíncter inferior (50cm da narina) e os canais 5, 6, 7 e 8 estão no estômago (55cm da narina). O cateter é então tracionado e vemos que os canais 5 a 8 ao chegarem em 51cm, entram em zona de pressão elevada que corresponde ao esfíncter inferior. Nota-se o relaxamento do esfíncter durante a deglutição. Esta deglutição é seguida de contração peristáltica visível nos canais 3 e 4 localizados a 41 e 46cm da narina, respectivamente. Acompanhando-se o traçado, no lado direito vemos que, aos 47cm da narina, os canais 5 a 8 sairam do esfíncter e respondem à deglutição com uma contração que se segue aos canais 3 e 4 (onda peristáltica).
TRATAMENTO:
O objetivo único do tratamento da acalásia é o de reduzir a pressão do EEI. Os nitratos (via sublingual) antes das refeições e os antagonistas de cálcio (10 mg nifedipina VO 6/6h) reduzem a pressão do EEI, e podem ser usados em pacientes com sintomas leves a moderados de acalásia.
Outra abordagem farmacológica disponível consiste na injeção intramural e circunferencial de toxina botulínica do tipo A, que pode ser usada quando resultados imediatos são desejáveis (eficácia de 90% em 1 mês). Esta toxina inibe os neurônios excitatórios parassimpáticos (colinérgicos).
Os pacientes com sintomatologia proeminente ou refratários à terapia clínica: dilatação endoscópica e cirurgia de miotomia do EEI.
DILATAÇÃO CIRURGICA
A dilatação pneumática (por balão) do esfíncter com os dilatadores de Mosher, de Browne-McHardy,e mais recentemente, o balão de Rigiflex, tem resultados satisfatórios (alívio dos sintomas) em 60-85% dos casos. Dois problemas existem com este tipo de método:
(1) perfuração esofágica, em 2-6% dos casos,
(2) recidiva dos sintomas, em 50% dos casos.
Russell (1898), na Inglaterra, idealizou e construiu o primeiro balão pneumático, que poderia ser introduzido pela boca, desinsuflado, até alcançar o estômago e, a seguir inflado, distendendo a cárdia.
Plummer (1906), nos EE.UU., desenvolveu um modelo de balão hidrostático em que a distensão é feita com água em lugar de ar (59).
Os resultados satisfatórios obtidos com a dilatação pelo balão pneumático ou hidrostático deram origem à idéia de se proceder à dilatação cirúrgica, que poderia ser feita sob visão direta e não às cegas.
Martin (1901) procedeu a dilatação anterógrada e retrógrada através de gastrostomia, com uma oliva semelhante à usada para dilatação de estenose cicatricial do esôfago por ingestão de cáustico. O paciente era alimentado pela gastrostomia, pois, em sua opinião, o esôfago deveria ficar em repouso durante o período de tratamento.
Como os resultados obtidos com a dilatação cirúrgica fossem equivalentes aos da dilatação perioral, esta passou a ser preferida. O tratamento cirúrgico permaneceu como alternativa e como solução para os casos de insucesso da dilatação. Veremos, a seguir, as diversas modalidades de operações que foram ou são utilizadas no tratamento da acalásia.
Novas dilatações podem ser realizadas nas recidivas. O refluxo gastro-esofágico desenvolve-se em 2% dos casos.
MIOTOMIA DO HELLER:
Cirúrgica, através da secção das camada longitudinal e circular da musculatura lisa do esôfago distal, operação conhecida como miotomia de Heller. Inclusão de todas as fibras do EEI na miotomia, o que implica a extensão da miotomia até 1 a 2 cm abaixo do cárdia. Esta miotomia ampla implica em risco de refluxo gastro-esofagiano. O que fazer,então? Associar uma findoplicatura parcial à miotomia. O sucesso terapêutico é conseguido em 70-90% dos casos, com uma chance bem menor de recidiva em comparação com a dilatação pneumática endoscópica.
O acesso tradicional para a miotomia de Heller é através de toracotomia esquerda ou por laparoscópico (através do abdome).Este apresenta resultados semelhantes com menor morbidade, curta permanência hospitalar e retorno precoce ao trabalho.
Modalidade de operação destinada a ser um marco na história do tratamento cirúrgico da acalásia, foi concebida em 1901, por Gottstein, quem não chegou a realizá-la. Coube a Heller, em 1913, a prioridade, ao operar uma paciente de 49 anos, com história de 30 anos de disfagia. Heller havia programado a esofagogastrostomia segundo a técnica de Heyrowsky. Ficou surpreso ao verificar a espessura da camada muscular na junção esofagogástrica, lembrando o piloroespasmo da criança. Decidiu, então, fazer uma operação semelhante à pilorotomia de Ramsted. Incisou a parede muscular anterior e posterior em uma extensão de 8cm, cruzando a junção esofagogástrica com um mínimo de corte na parede gástrica. A camada mucosa ficou livremente exposta nas duas incisões:
Há muito mais informações a respeito do assunto, mas acho que já exagerei por hoje...
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