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terça-feira, 3 de abril de 2018

Doença de Kawasaki


A doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite de artérias de tamanho médio, principalmente de artérias coronárias, das quais 20% estão envolvidas em pacientes não tratados. As manifestações precoces incluem miocardite aguda com insuficiência cardíaca, arritmias, endocardites e pericardites. Subsequentemente, podem se formar aneurismas das artérias coronárias. Aneurismas gigantes das artérias coronárias (> 8 mm de diâmetro interno na ecocardiografia), embora raros, têm o maior risco de tamponamento cardíaco, trombose ou infarto. DK é uma das causas principais de cardiopatia adquirida na criança. Tecidos extravasculares também podem sofrer processo inflamatório, como vias respiratórias superiores, pâncreas, trato biliar, rins, membranas mucosas e linfonodos.

A etiologia é desconhecida, mas a epidemiologia e a apresentação clínica sugerem infecção ou resposta imunológica anormal a uma infecção em crianças geneticamente predispostas. Doença autoimune também é uma possibilidade. Embora as crianças descendentes de japoneses tenham uma alta incidência, a DK ocorre no mundo todo. Nos EUA, registram-se 3.000 a 5.000 casos/ano. A proporção homem:mulher é cerca de 1,5:1. Oitenta por cento dos pacientes têm < 5 anos de idade (pico, 18 a 24 meses). São raros os casos entre adolescentes, adultos e < 4 meses de idade. Os casos ocorrem o ano todo, mas são mais frequentes na primavera ou inverno. Grupos com DK têm sido relatados em comunidades, sem evidências claras de uma disseminação de pessoa para pessoa. Cerca de 2% dos pacientes apresentam recorrências, meses ou anos mais tarde. Não há prevenção conhecida. A doença tende a progredir em fases, começando com febre que dura pelo menos 5 dias, normalmente remitente (mas, se não for tratada com antipiréticos, a temperatura não retorna ao normal) e > 39° C (cerca de 102° F), e está associada com irritabilidade, letargia ocasional, ou dor abdominal com cólicas intermitentes. Normalmente em um ou dois dias do início da febre, congestão conjuntival bulbar bilateral aparece sem exsudado.

Em 5 dias, aparece um rash polimorfo, macular eritematoso, principalmente ao longo do tronco, muitas vezes com acentuação na região perineal. O rash pode ser eritema urticariforme, morbiliforme, multiforme ou escarlatiniforme. É acompanhado de congestão da faringe; lábios avermelhados, fissurados e secos; e língua vermelha com aspecto de morango. Durante a primeira semana, pode ocorrer palidez da porção proximal das unhas de dígitos e pododáctilos (leuconiquia parcial). Eritema ou pigmentação vermelho-púrpura e edema variável nas palmas das mãos e plantas dos pés geralmente aparecem aproximadamente no 3º a 5º dia. Embora o edema possa ser leve, ele muitas é vezes sensível, duro e não depressível. Descamação periungueal, palmar, plantar e perineal começa por volta do 10º dia. A camada superficial da pele, às vezes, se solta em grandes cilindros, revelando pele nova normal.

Linfadenopatia cervical sensível não supurativa (≥ 1 nódulo ≥ 1,5 cm de diâmetro) está presente durante todo o curso em cerca de 50% dos pacientes. A doença pode durar de 2 a 12 semanas, ou mais. Podem ocorrer casos incompletos ou atípicos, especialmente em crianças menores que têm maior risco de desenvolver doença arterial coronariana. Esses achados se manifestam em cerca de 90% dos pacientes.

Língua em morango na doença de Kawasaki Língua em morango na doença de Kawasaki Língua em morango na doença de Kawasaki
Com a permissão do editor. De Burns J, Glode M: Atlas of Infectious Diseases: Pediatric Infectious Diseases . Editado por CM Wilfert. Philadelphia, Current Medicine, 1998.

Outros achados menos específicos indicam envolvimento multissistêmico. Artrites ou artralgias (envolvendo principalmente as grandes articulações) em cerca de 33% dos pacientes. Outras manifestações clínicas incluem uretrite, meningite asséptica, hepatite, otite, vômitos, diarreia, hidropisia da vesícula biliar, sintomas da via respiratória superior e uveíte anterior.

As manifestações cardíacas geralmente acontecem na fase subaguda da síndrome, cerca de 1 a 4 semanas após o início, assim que a erupção, a febre e outros sintomas clínicos agudos precoces começam a desaparecer.

Diagnóstico

Critérios clínicos

ECG seriada e ecocardiograma

Testes para descartar outras doenças: hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa, anticorpos antinucleares (ANA), fator reumatoide (FR), albumina, enzimas hepáticas, culturas da garganta e do sangue, exame de urina, radiografia de tórax

O diagnóstico é por critérios clínicos ( Critérios para o diagnóstico da doença de Kawasaki). Sintomas similares podem resultar de febre escarlatina, síndromes esfoliativas estafilocócicas, sarampo, reações a drogas e artrite idiopática juvenil. Mimetizações menos comuns são leptospirose e febre maculosa das Montanhas Rochosas.

lgumas crianças febris que têm menos de 4 dos 5 critérios de diagnóstico, porém, desenvolvem complicações vasculíticas, incluindo aneurisma arterial coronariano. Considera-se que essas crianças têm DK atípica (ou incompleta). Deve-se considerar DK atípica, e deve-se iniciar os testes se a criança teve ≥ 5 dias de febre > 39° C mais ≥ 2 dos 5 critérios para DK.

Testes laboratoriais não são diagnósticos, mas podem ser feitos para excluir outras doenças. Os pacientes são submetidos a hemograma completo, ANA, FR, VHS, hemocultura e cultura de material da orofaringe. Leucocitose, geralmente com aumento acentuado de células imaturas, costuma ser agudo. Outros achados hematológicos incluem anemia normocítica leve, trombocitose (≥ 450.000/μL) na 2ª ou 3ª semana da doença e níveis elevados de VHS ou proteína C reativa. São negativos ANA, FR e culturas. Dependendo dos órgãos envolvidos, podem estar presentes piúria estéril, aumento dos níveis das enzimas hepáticas, proteinúria e pleiocitose do liquor.

A consulta ao cardiologista pediatra é importante. No momento do diagnóstico, fazem-se ECG e ecocardiografia. Como as anormalidades podem tornar-se evidentes apenas tardiamente, os exames devem ser repetidos posteriormente em 2 ou 3 semanas, 6 a 8 semanas e até 6 a 12 meses após início da doença. O ECG pode revelar arritmias, diminuição de voltagem ou hipertrofia ventricular esquerda. O ecocardiograma pode mostrar aneurismas das artérias coronárias, regurgitação valvular, pericardite ou miocardite. A arteriografia coronariana é ocasionalmente útil em pacientes com aneurismas e testes anormais de esforço.

Sem tratamento, a mortalidade pode alcançar 1% até a 6a semana do início da doença. Com tratamento adequado, a taxa de mortalidade nos EUA é 0,17%. Febre de longa duração aumenta o risco cardíaco. Mortes são resultados mais comuns como resultado de complicações cardíacas e podem ser súbitas e imprevisíveis: > 50% ocorrem no 1o mês da doença, 75% no 2o mês e 95% nos 6 meses, mas podem acontecer até 10 anos após. O tratamento eficaz reduz os sintomas agudos e, mais importante, diminui a incidência de aneurismas arteriais coronarianos de 20% para < 5%. Na ausência de doença arterial coronariana, o prognóstico para a recuperação completa é excelente. Cerca de dois terços dos aneurismas coronarianos regridem em 1 ano, embora não se saiba se a estenose coronariana residual permanece. Aneurismas coronarianos gigantes são menos propensos a regredir e exigem acompanhamento e tratamento mais intensivos. Tratamento Imunoglobulina IV em altas doses (IGIV) Ácido acetilsalicílico em altas doses As crianças devem ser cuidadosamente tratadas por especialistas pediatras cardiologistas, infectologistas e/ou reumatologistas pediatras. Como as crianças com DK atípica têm alto risco de aneurisma arterial coronariano, não se deve adiar o tratamento. O tratamento deve ter início precoce, de preferência no 1º ou até no 10º dia da doença, com combinação de doses elevadas de imunoglobulina IV (IGIV), em dose única de 2 g/kg durante 10 a 12 h, e altas doses de ácido acetilsalicílico oral 20 a 25 mg/kg 4 vezes/dia. A dose de ácido acetilsalicílico é reduzida para 3 a 5 mg/kg 1 vez/dia, após 4 a 5 dias sem febre; alguns especialistas preferem manter doses elevadas de ácido acetilsalicílico até o 14º dia da doença. Durante a fase aguda da DK, o metabolismo do ácido acetilsalicílico é irregular, o que explica parcialmente a necessidade de doses elevadas. Alguns especialistas monitoram os níveis séricos do ácido acetilsalicílico durante a terapia com altas doses, especialmente se mantida por 14 dias e/ou a febre persiste apesar do tratamento com IGIV. A maioria dos pacientes apresenta uma resposta rápida nas primeiras 24 h do tratamento. Uma menor proporção continua enfermo, com febre por vários dias, e necessita repetição da dose de IGIV. Um esquema alternativo, que pode levar a uma resolução mais lenta dos sintomas, mas beneficiar os pacientes com disfunção cardíaca que não tolerariam um volume de 2 g/kg de IGIV, seria IGIV na dose de 400 mg/kg 1/dia durante 4 dias (ainda em combinação com altas doses de ácido acetilsalicílico). A eficiência do tratamento IGIV/ácido acetilsalicílico, quando iniciado > 10 dias do início da doença, é desconhecida, mas, mesmo assim, ela deve ser considerada.

Após 4 a 5 dias da melhora do quadro, mantem-se ácido acetilsalicílico na dose de 3 a 5 mg/kg, 1 vez/dia durante, pelo menos, 8 semanas após o início da doença, até que os novos exames ecocardiográficos sejam completados. Se não houver aneurismas das artérias coronárias e ausência de sinais inflamatórios (demonstrado por normalização da hemossedimentação e plaquetas), o uso do ácido acetilsalicílico pode ser interrompido. Devido a sua ação antitrombótica, o ácido acetilsalicílico é mantido indefinidamente para aquelas crianças que apresentarem anormalidades das artérias coronárias. Crianças com aneurismas gigantes das coronárias podem necessitar tratamento adicional anticoagulante (p. ex., varfarina, dipiridamol).

Crianças que recebem IGIV podem apresentar resposta mais baixa para as vacinas de vírus vivos. Portanto, a vacina sarampo-caxumba-rubéola deve ser administrada após 11 meses da administração da IGIV e a vacina de varicela ≥ 11 meses. Se o risco de exposição ao sarampo for alto, a vacina deve ser aplicada, porém a revacinação (ou teste sorológico) deve ser feita 11 meses depois.

Crianças que recebem ácido acetilsalicílico em longo prazo têm risco pequeno de desenvolver a síndrome de Reye durante surtos de gripe ou varicela. Portanto, a vacinação anual da gripe está indicada para crianças ≥ 6 meses de idade, que estão recebendo ácido acetilsalicílico a longo prazo. Posteriormente, pais de crianças tratadas com ácido acetilsalicílico devem ser instruídos para entrar em contato, imediatamente, com o médico da criança se ela for exposta ou desenvolver sintomas da gripe ou varicela. A interrupção temporária do ácido acetilsalicílico deve ser considerada (com substituição por dipiridamol para as que têm aneurisma documentado).

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