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quarta-feira, 29 de julho de 2015
Glúten: é realmente necessário parar de ingerir?
FONTE: BBC WORD
É assim que você se livra do glúten na sua vida:
Primeiro, tire todo os pães, farinhas e cereais matinais de trigo do seu café da manhã. Em seguida, jogue fora todos os potes de manteiga ou geleia que estavam abertos, porque pode haver migalhas de pão ou bolacha neles.
Além disso, chame seus amigos para acabar com todas as cervejas que você tenha em casa. Milhões de pessoas estão fazendo isso e muito mais à medida que estão convertendo seus corpos em áreas livres de glúten.
Apenas nos Estados Unidos, cerca de 70 milhões de pessoas – ou 29% da população adulta – garante que está tentando cortar o consumo de glúten, de acordo com um levantamento divulgado pela empresa de pesquisas NDP.
Já no Reino Unido, 60% dos adultos já compraram um produto sem glúten, de acordo com dados do site de pesquisas YouGov, e em 10% dos lares há alguém que acredita que glúten faz mal para a saúde.
O glúten é uma proteína encontrada no trigo, fazendo parte de nossa dieta habitual.
Mas ele é a única das proteínas que não pode ser decomposta totalmente pelo corpo humano e transformada em aminoácidos.
O máximo que conseguimos fazer é dividi-lo em cadeias de ácidos chamados peptídios (uma espécie de "molécula de proteína" em miniatura).
Eles normalmente passam pelo corpo da maioria das pessoas.
No entanto, os sistemas imunológicos de celíacos (pessoas que sofrem do transtorno) são geneticamente predispostos a vê-los como micróbios invasores.
Uma guerra começa e há vários efeitos colaterais: uma redução das vilosidades intestinais, dobras que cobrem o intestino delgado e são responsáveis por absorver os nutrientes e levá-los até o fluxo sanguíneo.
À medida que se atrofiam, sua superfície diminui e não faz seu trabalho como deveria.
A doença celíaca é bem comum.
Ela afeta cerca de 1% das pessoas do mundo desenvolvido, de onde se tem dados.
Mesmo com essa abrangência, isso não explica a crescente popularidade da dieta sem glúten.
Segundo a empresa de análise de mercado Mintel, 7% dos adultos britânicos evitam o glúten por conta de alergia ou intolerância (estritamente falando, a doença celíaca não é nem uma coisa nem outra) e mais de 8% o evitam por conta de um "estilo de vida saudável".
A opinião de que o glúten faz mal não apenas para celíacos mas para todo mundo é apoiada por uma corrente de blogueiros, nutricionistas que vendem "best sellers" e famosos.
Um levantamento da Mintel estima em US$ 9 bilhões o mercado americano de produtos sem glúten.
Uma análise nas buscas online nos últimos anos sugere que o aumento do interesse nas dietas sem glúten tem pouco a ver com uma crescente consciência sobre o celíaco e está muito mais relacionado à popularidade de dietas como a "paleo", que busca um retorno à Idade da Pedra no que se refere a hábitos alimentares.
Mas muitos acabaram se interessando pelo conceito de abrir mão do glúten pela simples razão de acreditarem que isso as fará se sentir melhor, pelo que percebi nas conversas com visitantes de uma feira de alimentação em Londres, a Allergy and Free From Exhibition, dedicada a alimentos que causam alergia e dietas alternativas como vegetariana e vegana.
Muitos dos 35 mil visitantes buscavam informações ou produtos ligados a dietas particulares específicas.
Mas, como me disse o diretor do evento, Tom Treverton, é cada vez mais comum achar pessoas "que querem cortar algo de sua dieta por outra razão - não porque são alérgicas, mas porque se sentem melhor quando o fazem, e acreditam que isso seja saudável".
Muitas das pessoas com quem conversei tinham preocupações genuínas com a saúde. Encontrei celíacos que estavam ali em busca de um pão ou uma cerveja (sem glúten) decentes, mas falei com um número ainda maior de pessoas que se descreveram como "intolerantes a glúten".
Elizabeth Jones, por exemplo, me contou que começou a sofrer de intolerância a glúten aos 15 anos. "É muito constrangedor aparecer em um evento social com os lábios ou a cara inchada", disse ela.
Ela cortou glúten e outros alimentos de sua dieta - a lista incluía sementes de uva - o que pareceu ter aliviado os sintomas.
Outra mulher, Debra, de Hertfordshire, costumava sofrer de refluxo gástrico. Ela testou negativo para doença celíaca, mas um nutricionista do hospital recomendou que ela cortasse glúten de sua dieta mesmo assim.
Ela é enfermeira especializada em gastroenterologia pediátrica e me disse que sua situação melhorou; ela disse também que entre seus pacientes havia várias crianças que não apresentavam danos nas vilosidades intestinais - e que, portanto, também não sofriam de doença celíaca - mas que, como ela, tiveram uma melhora em sua condição quando pararam de comer glúten.
Médicos especialistas acreditam que é hora de ampliar o espectro do que são considerados problemas causados pelo glúten, que abarcaria desde a doença celíaca como também a sensibilidade ao glúten.
O médico italiano Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisas Celíacas nos Estados Unidos, é um grande defensor dessa visão.
Em 1993, ele assumiu o departamento de gastroenterologia pediátrica na Universidade de Medicina de Maryland. Ele era um médico jovem vindo de Nápoles, onde ele atendia ao menos 20 ou 30 crianças por semana com doença celíaca.
Mas nos Estados Unidos, a história era outra: "Passavam-se dias, semanas, meses e eu não atendia nenhum caso sequer." Depois, ele percebeu que o problema era uma questão de diagnóstico mal feito.
Mesmo diante do ceticismo de seus colegas, ele fez um estudo com 13 mil pessoas que o ajudou a mudar os dados: a prevalência de um celíaco para 10 mil pessoas passou de um para cada 133.
Sua clínica agora atende mais de mil pacientes por ano.
Diferentemente de alergia ao trigo, a sensibilidade ao glúten não tem uma série de biomarcadores conhecidos e, por isso, os médicos não podem saber se o paciente sofre desse problema com um simples teste – há um exame de sangue, mas os resultados são imprecisos para muitos pacientes.
Assim, essa doença só pode ser diagnosticada ao se eliminar outros problemas e, em seguida, testar uma dieta sem glúten.
Mas, para Fasano, ainda que o glúten não tenha valor nutricional em si, fazer uma mudança radical no que se come sem a ajuda de um especialista é péssima ideia.
"Deixar de ingerir glúten te priva de muitos elementos-chave em sua dieta, como vitaminas e fibras, fundamentais para uma nutrição equilibrada."
Parte da polêmica em torno do glúten vem da dificuldade de se distinguir os benefícios que qualquer um pode experimentar ao adotar uma dieta sem glúten com efeito placebo (o poder das expectativas do paciente de que o tratamento levará à cura).
Outra parte dessa questão controversa vem do fato de não se saber exatamente quantas pessoas são afetadas.
Fasano calcula que o número pode estar em até 6% da população. Mas com 29% dos americanos adultos tentando evitar glúten, há 22% (ou 53 milhões de pessoas) que não estão no espectro de doenças relacionadas ao glúten, mas ainda sim querem deixar de ingeri-lo.
Apenas em 2013, 200 milhões de pratos sem glúten foram pedidos em restaurantes americanos, segundo a NPD.
"Estamos quebrando a cabeça para entender esse fenômeno social. Começamos essa batalha, por assim dizer, para sensibilizar os americanos sobre os celíacos. Mas nos demos conta que esse pêndulo está descontrolado e agora foi par ao outro extremo", diz Fasano.
Quando questionado se essa dieta ajudar a perder peso, Fasano dá risada.
"Se você começa a comer substitutos como cerveja sem glúten ou massa ou bolacha sem glúten, o que vai acontecer é você engordar. Uma bolacha comum tem 70 calorias. Sem glúten, o mesmo biscoito pode chegar a 210 calorias."
"Você tem que substituir o glúten com algo que faça essa bolacha palatável, então você precisa carregá-la de gordura e açúcar. Tenha em mente isso: um grama de proteína contém quatro calorias. Um grama de gordura, nove."
Mas ele diz ser possível perder peso com um dieta sem glúten ao trocar alimentos processados (como biscoitos) por outros frescos, como verduras, frutas, peixe e carne.
Dois livros muito populares, Barriga de Trigo, de William Davis, e Grain Brain (Mente de Grãos, em tradução livre) de David Perlmutter, têm sido especialmente importante para alertar os americanos sobre os "perigos" do glúten.
Ambos fazem referências à pesquisa de Fasano, mas o especialista diz que os dois livros estão cheios de exageros e generalizações. "O glúten e os carboidratos estão destruindo seus cérebros", se lê na obra de Perlmutter.
Frustrado com a cobertura sensacionalista, Fasano publicou seu próprio livro no ano passado Gluten Freedom (não lançado em português), co-escrito com Susie Flaherty.
Ele diz que comer glúten não oferece risco a pessoas fora do espectro dos transtornos ligados ao glúten - e a maior parte dos especialistas concorda com ele.
Outro livro pulicado sobre o tema é The Gluten Lie (A Mentira do Glúten, em tradução livre), de Alan Levinovitz. É estranho pensar que Levinovitz tenha entrado nesse debate, visto que ele é um especialista em religião e literatura.
Mas ele diz que vê essa moda contra o glúten como uma combinação entre os poderosos mitos de um paraíso passado com uma atitude anticorporativa contra a indústria alimentícia.
Levinovitz diz que não é a primeira vez que um tratamento para celíacos entra na moda. Já ocorreu nas décadas de 1920 e 1930, quando médicos - que ainda não sabiam do papel do glúten na doença - receitavam uma dieta de banana e leite, suplementada com caldos, gelatina e quantidades pequenas de carne.
Muitos dos famosos que abandonaram o glúten, como Gwyneth Paltrow, Miley Cyrus e Victoria Beckham, dizem que eliminar a proteína de suas dietas não foi algo feito por diversão, mas que têm intolerância.
"Os principais defensores dessa dieta fazem isso porque ela genuinamente funcionou para eles", diz Levinovitz. "Então talvez haja algumas pessoas que não tenham sido diagnosticadas como celíacas ou alguém que não seja celíaco mas tenha sensibilidade ao glúten. Mas essas histórias viraram uma boa de neve e abarcaram toda uma comunidade de pessoas que pensam "ah, se funcionou para o meu amigo, também vou tentar".
"E tem o efeito placebo (psicolóogico), combinado com o fato de que você não está mais bebendo cinco cervejas toda a noite, e por isso se sente melhor, e acha que tem a ver com o glúten."
Em seu livro, Levinovitz também fala do efeito "nocebo": a ideia de que se você acredita que algo pode te fazer mal, isso pode realmente te causar efeitos negativos.
Pode ser que grande parte dos americanos estejam sob o que médicos chamam de "doença sociogênica em massa" quando se trata de glúten?
Bom, o que se pode dizer é que as pessoas não gostam que lhes digam que a doença está na cabeça delas.
E Levinovitz sabia que seria bastante criticado por seu livro. Mas não esperava a quantidade de e-mails de ódio que recebeu.
"Se alguém diz: 'Olha, acabaram de descobrir que Plutão não é um planeta', ninguém se ofende, apenas dizem: 'Ah, não? Genial!'". Mas ele diz que falar para as pessoas sobre mitos da comida é como atacar a identidade delas.
E, para ele, a moda da dieta sem glúten não é uma dieta sem perigos.
Muitos pacientes que sofrem de distúrbios alimentares contam que começaram a ter problemas justamente com as dietas que excluíam algum alimento.
Há provas que sugerem que uma ansiedade extrema sobre o que comemos pode levar a sintomas que não são tão diferentes daqueles da sensibilidade ao glúten.
Mas ao menos agora a doença celíaca não é mais um tabu nem algo totalmente desconhecido.
À medida que cresce, meu filho vai se beneficiar de uma quantidade jamais vista de produtos alimentícios para os celíacos.
E também é fantástico entrar em um restaurante e as pessoas saberem do que você está falando quando explica que seu filho é celíaco.
Mas se por um lado eu nunca recebo olhares tortos, eu às vezes pego uma troca de olhares sarcásticos entre funcionários.
Quando minha mulher explicou a doença de Sam para um chef, ele disse: "Oh, então ele não pode mesmo comer glúten. A maioria das pessoas muda de ideia quando eu mostro as opções para alérgicos e acaba pedindo algo do cardápio normal".
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