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sexta-feira, 27 de março de 2015

Surdez


Minha paciente GTM acaba de fazer 97 anos. Há 5 anos diagnosticamos a sua perda auditiva e frente a minha indicação de aparelhos auditivos, ela não questionou. Faz uso deles o dia inteiro, todos os dias, desde então. Sua preocupação maior é a troca de pilhas e o bom funcionamento dos aparelhos. Nunca se referiu a eles como sendo algo negativo. Eles a fazem escutar melhor e ela agradece. Mas nem sempre é assim…

É bem sabido que a incidência de perda auditiva aumenta bastante com a idade. Cerca de um terço dos pacientes acima de 65 anos têm algum grau de perda auditiva. A partir dos 75 anos, pelo menos metade das pessoas sofre com a surdez.

Conhecida também da maioria das famílias é a figura do(a) pai/mãe ou avô/avó que não ouve bem, não aceita que não escuta e acha que “está bem assim”, “que as pessoas falam pra dentro” ou que “prefere não escutar”. A surdez na terceira idade é algo de difícil reconhecimento e aceitação para grande parte dos pacientes.

Outro dado bastante propagado se refere ao envelhecimento da população brasileira, decorrente do notável aumento da expectativa de vida média dos brasileiros nas últimas décadas, como vemos no quadro abaixo, baseado em dados do Banco Mundial. Isso resultou num grande aumento de casos de surdez em idosos sem a devida adequação na estrutura e no número de profissionais dedicados à reabilitação auditiva, seja no SUS ou na medicina privada.

Entretanto, as maiores novidades no que se refere à surdez em idosos vêm da ciência. É crescente o número de estudos que relacionam a presença de perda auditiva a um maior risco de problemas cognitivos, maior atrofia cerebral (Ref. 1) e risco aumentado de demência (Ref. 2) ou depressão. Segundo tais estudos, além da tendência ao maior isolamento, que prejudica o contato familiar e social, a diminuição dos estímulos cerebrais causados pela surdez seria mais um “golpe” no cérebro desses pacientes. A diminuição dos estímulos auditivos afetaria enormemente não só as áreas responsáveis pelo processamento sonoro e de linguagem – os giros superior, médio e inferior do lobo temporal (esses dois últimos também implicados no aparecimento do mal de Alzheimer) – mas o cérebro como um todo. A privação sonora poderia acelerar a perda de massa encefálica em mais de um centímetro cúbico por ano, em comparação com os idosos com audição normal.

Para nós, médicos e fonoaudiólogos envolvidos na reabilitação auditiva, esses dados são importantes demais. Não podemos mais considerar apenas “uma opção” o uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares em pacientes idosos com perda de audição. Para familiares e amigos de pacientes nessa situação, a postura deve ser de colaboração, informação e estímulo para que procurem ajuda especializada. Mais do que fazê-los ouvir mais e melhor, tal cenário nos coloca diante da chance de praticar a melhor medicina: a preventiva. Tudo indica que tratar a surdez em idosos – com aparelhos auditivos, implantes cocleares e as terapias fonoaudiológicas adaptadas a cada caso – pode ajudar a manter o cérebro em dia por muito mais tempo.

Luciano Moreira – Otorrinolaringologista

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