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quarta-feira, 4 de março de 2009

Agressão – é um artigo longo, mas vale a pena ler…

É habitual a questão do crime envolver uma série de reflexões e comentários que ultrapassam em muito o ato delituoso em si; são questões que resvalam na ética, na moral, na psicologia e na psiquiatria simultaneamente. Sempre há alguém atribuindo ao criminoso traços e características psicopatológicas ou sociológicas: porque Fulano cometeu esse crime? Estaria perturbado psiquicamente? Estaria encurralado socialmente? Seria essa a única alternativa? Ou, ao contrário, seria ele simplesmente uma pessoa maldosa? Portadora de um caráter delituoso, etc.

Atualmente, apesar da ciência não ter ainda algum consenso definitivo sobre a questão, sabe-se, no mínimo, que qualquer abordagem isolada do ser humano corre enorme risco de errar. Assim sendo, atualmente usamos o modelo bio-psico-social, na tentativa de compreender as pessoas e os fatores que influenciam seus comportamentos (Agra, 1986). Dentre esses três modelos (biológico, psicológico e social), sem dúvida a abordagem biológica da pessoa é um dos aspectos mais criticados e polêmicos.

A utilização do modelo biológico (personalidade) como justificativa do comportamento criminoso não é recente na história da medicina e da sociologia. A idéia parece ter vindo de encontro à crença popular de que "o criminoso já nasce assim", tendência pela qual se procura identificar traços de personalidade que o caracterizam como psicopata, sociopata ou criminoso, enfim, traços que o tornam diferente dos outros seres humanos (Mannheim, 1984).

Mas, modernamente considerando que qualquer tentativa de explicação biológica para o crime, geralmente desencadeia um juízo prévio de que seria difícil alterar o que é determinado biologicamente, foram sendo progressivamente realçadas as investigações sobre fatores psicológicos e/ou sociais.

Esta rejeição ao modelo biológico se mantém muito enfático ainda atualmente. É sempre importante cultivar um bom senso suficiente para evitar que o politicamente correto interfira no cientificamente constatado. As modernas pesquisas sobre alterações genéticas associadas ao comportamento violento (Bader, 1994), ainda são capazes de estimular debates inflamados sobre a validade e o interesse das abordagens biológicas.

Mesmo correndo o risco de suscitar críticas amargas sócio-psicológicas, cientificamente podemos agrupar a causalidade criminosa em quatro grandes categorias de fatores: genéticos, bioquímicos, neurológicos e psicofisiológicos.

1. Fatores genéticos
Os estudos incluídos nesta categoria utilizam como metodologia os estudos de gêmeos e de adoção. Nos estudos em gêmeos (Cloninger & Gottesman, 1987; Mednick, Gabrielli e Hutchings, 1987; Mednick e Kandel, 1988), foram encontrado o dobro da correlação para o comportamento criminoso entre estes, em oposição à menor concordância em irmãos não gêmeos.

Comparando a concordância de comportamento entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos, os monozigóticos apresentam o dobro de correlações no comportamento criminoso, sugerindo a existência de fatores genéticos atrelados ao crime.

 

Para resolver a argumentação contrária de que os gêmeos geralmente teriam experiências vivenciais semelhantes, na mesma família, escola e sociedade e, por isso, tenderiam a ter o mesmo comportamento, foram estimulados os estudos de adoção.

Esses estudos de adoção utilizaram pessoas que não conheceram seus pais biológicos, bem como sujeitos que ignoravam serem adotivos, buscando separar melhor os efeitos ambientais dos efeitos genéticos. Esses trabalhos (Mednick, Gabrielli e Hutchings, 1984) demonstraram que existe uma elevada concordância entre comportamento criminoso dos pais biológicos com comportamento criminoso de seus filhos adotados por outras famílias.

Parece também existir uma relação maior entre o comportamento criminoso da mãe biológica com o comportamento criminoso de seu filho adotado (Baker e col., 1989), do que a mesma comparação entre pai e filho. Alguns autores consideram esse fato sugestivo de uma transmissão genética associada ao cromossomo X.

Apesar da evidência dos dados apontarem para a existência de importantes fatores genéticos associados à criminalidade, o papel do ambiente parece também ter importante influência. Cadoret e col. (1990), num estudo com crianças adotadas e filhas de pais biológicos com comportamentos criminosos, verificaram que quando os pais adotivos pertenciam a meio sócio-economicamente desfavorecido, as crianças apresentavam mais comportamentos criminosos do que aquelas cujos pais adotivos pertenciam a classes de estatuto socioeconômico superior.

Diante disso, será sensato acreditarmos que, apesar de existir um fator genético capaz de aumentar a suscetibilidade da criança para comportamentos criminosos, esta suscetibilidade estará sujeita às condições ambientais.

 

2. Fatores bioquímicos
Os estudos neste grupo causal procuram dosar algumas substância possivelmente envolvida com o comportamento violento, como por exemplo, o colesterol, a glicose, hormônios e alguns neurotransmissores.

Virkkunen, em 1987, procurou demonstrar a diminuição nos níveis séricos de colesterol em pessoas com comportamento criminoso, da mesma forma como também se associava os baixos níveis de glicose.

Como o álcool é freqüentemente relacionado com o comportamento violento, foi também estudada a sua associação com glicose e colesterol. Fisiologicamente se demonstra que, de fato, o álcool diminui o açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção de glucose hepática. Deste modo, o álcool ao fazer diminuir a quantidade de açúcar no sangue pode ser apontado como um fator facilitador do crime.

Quanto ao colesterol a situação é mais curiosa ainda. Virkkunen mostrou que a relação entre o colesterol e o álcool pode ter até uma finalidade discriminante. Ele conseguiu isolar dois grupos de pessoas envolvidas com o alcoolismo; um grupo representado por pessoas que ficam agressivas quando bebem e outro, por pessoas que bebem mas não ficam agressivos. Os primeiros mostraram menor nível de colesterol do que os segundos. e, estes, menor nível ainda do que os sujeitos não delinqüentes, verificando-se que a maior violência aparece associada a menor quantidade de colesterol.

 

No que diz respeito ao nível neuroendócrino, a hormônio mais relacionado à agressividade é a testosterona. A pesquisa verifica os níveis desse hormônio tomando por base três comparações; entre criminosos, entre criminosos e não criminosos (grupo controle) e entre não criminosos relacionando-se com a agressividade e não agressividade.

Nas investigações entre pessoas não criminosas os resultados são muito variáveis e até contraditórios, concluindo-se por vezes que não há correlações entre testosterona e potencial para agressividade (Rubin, 1987). Entre criminosos e não criminosos (Olweus, 1987; Rubin, 1987; Schalling, 1987) os resultados são mais consistentes, mas nem sempre são significativos. Alguns desses resultados mostram criminosos apresentando maior nível de testosterona do que os não criminosos.

Sobre as influências neuroquímicas no comportamento agressivo, algumas das substâncias mais estudadas (Rubin, 1987; Magnusson, 1988; Bader, 1994) são a serotonina, que existiria em menor quantidade, o ácido fenilacético e a norepinefrina, que existiriam em maior quantidade nos criminosos.

Esses estudos procuram estabelecer uma correlação entre alterações bioquímicas capazes de desencadear comportamentos criminosos, bem como as associações entre tais alterações, ingestão de álcool e criminalidade.

 

. Fatores neurológicos
Esses estudos (Buikhuisen, 1987; Hare & Connolly, 1987; Nachshon & Denno, 1987; Pincus, 1993) associam desordens do comportamento com eventuais alterações cerebrais, essencialmente no hemisfério esquerdo.

Os estudos parecem apontar na identificação das disfunções neuropsicológicas relacionadas ao comportamento violento estar presente no lobo frontal e nos lobos temporais. O Lobo Frontal se relaciona à regulação e inibição de comportamentos, a formação de planos e intenções, e a verificação do comportamento complexo, suas alterações teriam como conseqüência dificuldades de atenção, concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do autocontrole, dificuldades em reconhecer a culpa, desinibição sexual, dificuldade de avaliação das conseqüências das ações praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool (sintomas positivamente correlacionados com o comportamento criminoso), bem como incapacidade de aprendizagem com a experiência (sintoma correlacionado positivamente com a alta incidência de recidivas entre alguns tipos de criminosos).

 

Os Lobos Temporais regulam a vida emocional, sentimentos, instintos, comandam as respostas viscerais às alterações ambientais. Alterações nesses lobos resultam em inúmeras conseqüências comportamentais, das quais se destacam a dificuldade de experimentar algumas emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e, conseqüentemente, uma incapacidade em desenvolver sentimentos de medo das sanções, postura esta freqüente em criminosos. Esses estudos procuram associar o crime com alterações cerebrais específicas. (Cristina Queirós, A importância das abordagens biológicas no estudo do crime)

4. Fatores psicofisiológicos
O enfoque psicofisiológico se baseia essencialmente na avaliação da função cerebral (fisiopatologia), como por exemplo a Atividade Elétrica da Pele, o Eletroencefalograma e o Eletrocardiograma, trabalhando sobretudo em contexto laboratorial. Falta, no momento, uma metanálise de outros tipos de investigação da função cerebral, como por exemplo, os estudos com PET e SPECT .

Os estudos demonstraram que, tanto a ativação tônica (reação global do sujeito na ausência de estimulação específica) quanto a ativação fásica (reação a estimulação específica), é menor nos criminosos. Também apresentam, os criminosos, uma média menor do ritmo cardíaco, menor nível de condutância da pele e maior tempo de resposta na atividade elétrica da pele, bem como registros eletroencefalográficos com maior incidência de anormalidades (Fowles, 1980; Hemming, 1981; Satterfield, 1987; Volavka, 1987; Hodgins & Grunau, 1988; Milstein, 1988; Venables, 1988; Buikhuisen, Eurelings-Bontekoe & Host, 1989; Patrick, Cuthbert & Lang, 1994).

Alguns estudos trabalharam também com crianças e adolescentes (Magnusson, 1988), e demonstraram que as crianças com comportamentos considerados desviantes apresentam maior ativação do sistema nervoso. No entanto estudos longitudinais (Raine, Venables & Williams, 1990 e 1995) demonstraram que adolescentes com comportamentos anti-sociais e que posteriormente vieram a cometer crimes apresentavam significativamente menor ativação cardiovascular e eletrodérmica, do que os que não cometeram crimes.

Final
Através da apresentação das quatro categorias citadas é possível constatar que foram realizados diferentes estudos. Apesar das metodologias utilizadas e dos resultados serem por vezes questionados, a maior parte dos trabalhos podem ser considerados científicos e metodologicamente corretos, demonstrando que de fato, podem existir fatores biológicos implicados no crime, sejam estes identificados como genes, hormônios, neurotransmissores, etc.

Constata-se também que, apesar de alguns estudos não referirem apenas as variáveis biológicas, mas também as variáveis psicológicas e contextuais, a divulgação dos seus dados é efetuada segundo uma lógica reducionista e determinista, tentando estabelecer uma causalidade linear entre fatores biológicos e o crime e, contribuindo deste modo para a rejeição das abordagens biológicas no estudo do crime.

Funcionando de acordo com esta perspectiva linear, se um sujeito cometeu um crime porque as suas características biológicas assim o determinam, e se estas são fáceis de identificar (ex.: medir a quantidade de glicose, colesterol, EEG, etc), porque não prevenir o crime em pessoas, digamos, "de risco". Avançando um pouco mais, porque não efetuar terapias genéticas no embrião para os sujeitos que apresentam a este nível alterações identificadas como características do criminoso?

Perante estas questões levanta-se uma outra, que é do arbítrio individual, anulando esta liberdade através da certeza do comportamento ser desse jeito porque é determinado unicamente por fatores biológicos. Essas questões são de primordial importância na Psiquiatria Forense porque dizem respeito à imputabilidade, culpabilidade e responsabilidade. De qualquer forma, parece que a idéia da biologia ser a única e/ou principal determinante do comportamento é universalmente rejeitada.

Assim sendo, tentar explicar o comportamento e as atitudes humanas, apenas a partir de fatores biológicos não parece ser um bom método, pois qualquer comportamento, incluindo o comportamento criminoso, é considerado como um conjunto de inúmeros processos em complexa interação. Em nosso caso, essa interação se dá através do vocábulo tríplice; bio-psico-social.

Segundo Cristina Queirós, a perspectiva biológica utilizada pelos vários estudos descritos pode ser considerada como uma "biologia das causas". A alternativa a esta perspectiva mecanicista seria a "biologia dos processos", que começa a ser utilizada atualmente, através da abordagem bio-psico-social, a qual tenta articular os fatores biológicos com os restantes níveis do comportamento humano.

Na avaliação da biologia do crime, mesmo reconhecendo ser necessário perscrutar as bases biológicas do crime, esta deverá considerar, obrigatoriamente, a interação com outros fatores envolvidos (Farrington, 1987; Raine & Dunkin, 1990; Farrington, 1991), não esquecendo que o todo o indivíduo é um ser biológico em interação com o meio (Karli, 1990).

Em suma, pode-se concluir que as abordagens biológicas, apesar de serem geralmente vistas como polêmicas e discricionárias, também são importantes no estudo e na compreensão do crime e do criminoso, não devendo nem ser negadas nem supervalorizadas.

Interpretando os fatores biológicos como representantes da personalidade da pessoa, será possível articular este aspecto constitucional com outros níveis da personalidade, bem como com os níveis do ato transgressivo e com o significado deste.

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