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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Luto em casais de idosos


Num sentido geral, a morte é o processo inexorável e irreversível para todos os seres vivos, após algum tempo, de cessação das suas atividades biológicas.

Os processos que se seguem à morte levam à decomposição do sistema orgânico e a reversão dele a substâncias elementares, mas sob condições especiais isso pode não ocorrer, como na mumificação ou na fossilização dos organismos, por exemplo.

Alguns animais e vegetais, no entanto, são capazes de “zerar” suas atividades metabólicas durante meses ou anos e retomá-las posteriormente, quando as condições ambientais se mostrarem mais favoráveis à vida (hibernação, esporulação, etc.).

Se isso for considerado uma forma de interrupção da vida, a questão da irreversibilidade da morte ficará em questão.

No que se refere ao ser humano, a morte não se reduz apenas à cessação da vida, mas ganha um destaque especial porque adquire uma importante dimensão social, cultural e religiosa. Nessa perspectiva, as relações interpessoais e a cessação delas assumem um aspecto de relevância, dentre elas a convivência com o cônjuge adquire importância especial.

A morte do cônjuge é uma realidade que a grande maioria das pessoas tem de atravessar, mas assume perspectivas diferentes em cada situação particular: pode acontecer no início da vida conjugal ou depois de muitos anos de união; dar-se de forma repentina e inesperada ou após um longo período de sofrimento do parceiro; pode ou não deixar filhos órfãos; o casal pode estar junto ou separado e pode ter uma convivência muito boa ou muito má; pode haver grande dependência emocional ou econômica de um em relação ao outro, etc.

Afinal, lidar com a morte em geral é mais difícil quando se conviveu com a outra pessoa por longo tempo, seja qualquer forma de convivência que tenha havido.

Imagine-se o que se passa, então, a um casal unido! A grande maioria das pessoas não escapará de enviuvar, mas reagirá à situação de maneiras distintas em cada caso específico. Aqui trataremos apenas de algumas situações típicas mais comuns, em que o casal viveu junto por longos anos, porque grande variedade das outras as torna não abarcáveis.

Também ficarão fora de cogitação os aspectos jurídicos da questão, por não se adequarem a esse contexto.

A morte de um dos parceiros que formam um casal em geral provoca um grande impacto no membro sobrevivente, com manifestações físicas e emocionais importantes e, não raro, patológicas. As primeiras reações à perda do companheiro, sobretudo se repentina, costumam ser de poderosa negação.

O sobrevivente tem a sensação de que não aconteceu e que poderá ainda reencontrar o companheiro no cômodo ao lado ou tornar a vê-lo executando as tarefas de que tanto gostava. Esta fase de choque, ocasionada pela perda, pode durar horas ou dias, constituindo-se de atitudes de desespero, raiva, irritabilidade, amargura, isolamento e comportamentos emocionais não razoáveis.

Só aos poucos e com grande sofrimento o parceiro sobrevivente passa a tomar a perda como fato real. Muitas vezes ele conviveu com um longo período de doença, sofrimento de seu par e pode ter ido se “desligando” dele aos poucos e, em alguns casos, ter até mesmo desejado que sua morte fosse apressada. Tal reação, apesar de normal, pode desencadear posteriormente intensos sentimentos de culpa. A elaboração do luto posterior parece implicar numa separação gradativa da pessoa ausente e do seu modo de vida. Os rituais funerais e os outros ligados à morte parecem ter a finalidade de ajudar nesse processo.

A missa católica de sétimo dia, por exemplo, à parte o sentido religioso que seja atribuído a ela, é uma importante etapa no encerramento desse processo e uma ocasião para que o sobrevivente receba o conforto e a solidariedade dos amigos. No entanto, embora esse procedimento pareça ajudar na elaboração e encerramento do luto, pode também desencadear recidivas de saudade e depressão que o recrudescem. Na verdade, esse luto não tem data para terminar, podendo durar meses ou anos e mesmo nunca acabar, na dependência das características individuais ou de fatores culturais.

Em algumas aldeias interioranas portuguesas, as viúvas ainda hoje se vestem de preto o resto da vida. Normalmente, com o passar do tempo o cônjuge sobrevivente vai se desligando do morto e de seus antigos costumes, a menos que se envolva num luto patológico, de grande intensidade e duração indeterminada. Terminado o luto, muitos parceiros iniciam uma nova vida, em outras bases e muitas vezes se ligam novamente a outras pessoas, construindo uma vida feliz, embora sempre à sombra da morte ocorrida. Em resumo, tudo consiste na atitude assumida pelo sobrevivente de “permanecer no passado” ou “continuar vivendo”.

O luto pelo cônjuge se vê complicado pelo fato de quase sempre atingir uma pessoa idosa, já sem condições de fazer grandes mudanças na vida. A depressão e a entrega impotente podem ser as piores reações, mas não são incomuns.

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