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sábado, 11 de outubro de 2008

Coceira


Pensar em coceiras, ver pessoas se coçando, imagens de percevejos, pulgas e piolhos costumam provocar uma irresistível vontade de esfregar a própria pele. Mas a coceira – “prurido” para os médicos – é mais do que um incômodo ocasional. A sensação, resultante da irritação das células na epiderme, é uma útil advertência à presença de insetos ou outros elementos estranhos. O coçar é, muitas vezes, um método eficaz e simples de lidar com isso. A coceira é também o principal sintoma de muitas doenças dermatológicas e surge em certas condições sistêmicas, como doença renal crônica, cirrose e alguns tipos de câncer.

Se uma leve arranhada na pele é prazerosa, o constante coçar pode se tornar uma agonia, caso as condições subjacentes não sejam tratadas. Segundo estimativas, 8% a 10% da população mundial sofre de coceira crônica, sendo o problema que mais solicita os dermatologistas. As fontes da sensação, porém, são misteriosas e ainda pouco compreendidas.

Por muito tempo relegada como se fosse uma forma menor de dor, a coceira está sendo reavaliada pelos médicos em razão de sua complexidade e importância, já que tantas pessoas sofrem com o problema. Além das causas físicas, como alergias e condição da pele, a fonte desse formigamento irritante tem forte componente emocional. Cientistas investigam as bases do fenômeno com a tecnologia de imageamento e outros meios, atingindo o nível molecular.

As fontes da coceira sempre suscitaram curiosidade. No século II a.C., por exemplo, o médico grego Galeno observou que a coceira pode surgir de uma condição subjacente não relacionada à pele. Há 350 anos, o médico alemão Samuel Hafenreffer definiu a coceira como uma percepção desagradável na pele que desencadeia a necessidade de arranhar. Napoleão sofria de graves coceiras, assim como o médico e líder intelectual da Revolução Francesa, Jean Paul Marat.

Há apenas dez anos, os médicos consideravam a coceira “uma irmã menor da dor”. Afinal, a sensação segue o caminho rumo ao cérebro ao longo dos mesmos nervos seguidos pelos estímulos dolorosos, exceto pelo fato de a intensidade da irritação ser menor. Essa noção se baseava, entre outras coisas, na observação de que a dor inibe a coceira. Segundo a chamada teoria da intensidade, a estimulação neuronal fraca causa a coceira, e a forte leva à dor.

Em 1997, porém, o neurofisiologista Martin Schmelz, da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, provou que a necessidade de coçar alcança a medula espinhal a partir da pele via fibras nervosas independentes, chamadas fibras-C polimodal. Essas fibras-C parecem idênticas àquelas que sinalizam a dor, mas transmitem apenas sensações de coceira. Os sinais que propagam a irritação da pele percorrem a fibra nervosa até a medula espinhal e depois até o cérebro. Coçar e friccionar pode interferir com essas terminações neurais estimulando a dor e os receptores táteis nas mesmas áreas, inibindo assim os receptores circundantes da coceira, chamados pruriceptores.

Além disso, a equipe de Schmelz, junto com Hermann Handwerker, da mesma universidade, localizaram conexões entre as fibras-C mediadoras de coceira e as fibras-C da dor. A descoberta da possível comunicação entre as fibras sinalizadoras acrescenta um outro mecanismo pelo qual a dor inibe a coceira.

Em 2001, pesquisadores do Barrow Neurological Institute, em Phoenix-, identificaram em gatos células neurais específicas que respondem, de forma seletiva, à molécula sinalizadora histamina – que desencadeia coceira – mas não a estímulos de calor ou de dor.

A coceira se torna dor quando é crônica, isto é, quando persiste ou é recorrente. Segundo estudo da psiquiatra norueguesa Florence Dalgard, o stress é o fator mais importante se excetuarmos as reações alérgicas. Outras pesquisas descobriram que sarnas, causadas pela infestação de ácaros, afetam cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, mais de 30 milhões sofrem de eczema, problema associado à intensa vontade de coçar. Além disso, 42% dos 19 mil pacientes de diálise em 12 países, incluídos em estudo de 2006, relataram sofrer de coceiras graves ou moderadas.

Nem só problemas físicos causam o desejo intenso de coçar. A coceira pode ser ativada ainda pela mente. Basta ver os outros se coçando para fazermos o mesmo. Imagens de pulgas, por exemplo, também podem produzir esse efeito. Mas, até recentemente, não havia evidência científica dessa experiência compartilhada.

Para suprir essa lacuna, nossa equipe, liderada pelo piscólogo Jörg Kupfer, realizou um experimento com estudantes. Os participantes deviam avaliar a qualidade educacional de uma aula sobre o tema: “Coceira – O que é?”. Os 60 alunos do curso de medicina e de psicologia investigados assistiam aulas diferentes sobre o assunto. Um grupo via imagens de piolhos, pulgas, percevejos e reações alérgicas. Ao outro eram apresentadas cenas de crianças e paisagens calmas durante a exposição teórica. Como esperado, os estudantes do primeiro grupo se coçaram muito mais durante a aula do que seus colegas do segundo grupo.

É bastante possível que esse fator mental esteja associado aos chamados neurônios espelho. Essas células nervosas especializadas disparam quando realizamos certa ação, mas também quando a observamos em outra pessoa. O caráter contagioso do bocejo, por exemplo, é atribuído a essa atividade neuronal.

Para identificar quais áreas do cérebro estão particularmente ativas enquanto coçamos, os pesquisadores usaram métodos de imageamento para visualizar o cérebro das pessoas após provocar a reação com histamina. O neurocientista Francis McGlone, da Unilever Pesquisa e Desenvolvimento, em Cheshire, na Inglaterra, e colegas empregaram o imageamento por ressonância magnética funcional (fMRI) para identificar disparos nas partes do cerebelo e em regiões do lóbulo frontal. Os pesquisadores descobriram que respostas comportamentais resultam da ativação do lóbulo frontal para a coceira e para a percepção da dor.

Uma equipe do Bender Instituto de Neuroimageamento, da Universidade de Giessen, Alemanha, também usou a fMRI para estudar a coceira desencadea-da pela histamina em um período de aproximadamente 15 minutos, tempo de duração da coceira induzida experimentalmente. Pesquisas mostram que várias áreas do cérebro são ativadas de modo característico: regiões no lóbulo frontal, no lóbulo temporal esquerdo e nos hemisférios esquerdo do cerebelo, por exemplo. De forma surpreendente, porém, não ocorreu atividade no córtex sensório-motor, isto é, nas áreas do córtex que processam o estímulo sensorial e controlam o movimento. Muitas das regiões que dispararam tendem a ser associadas à emoção.

Outros pesquisadores confirmaram a importância das áreas do cérebro que processam a emoção. Segundo estudo recente de Handwerker, a coceira é em parte processada e ativada nas mesmas regiões do cérebro encarregadas da dor, mas em parte também no centro da emoção, a amígdala. Para a equipe de Hideki Mochizuki, do Instituto Nacional de Ciências Fisiológicas do Japão, o cíngulo, centro que processa as emoções, e a ínsula, outra área associada à emoção e ao desconforto, disparam durante a coceira, mas não quando há dor.

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