Pesquisar este blog

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pensamento Mágico





Havendo saúde mental, os estímulos para que o raciocínio se desenvolva devem provir de fontes externas e internas. Mas o pensamento não é guiado apenas por considerações estritamente atreladas à realidade, ele também flui motivado por estímulos interiores, abstratos e afetivos ou até instintivos. A criação humana, por exemplo, ultrapassa muitas vezes a realidade dos fatos, refletindo estados interiores (eventualmente inferiores) variados e de enorme valor para a construção de nosso patrimônio cultural.

Voltar-se para o mundo interno significa que o pensamento se manifesta sob a forma de devaneios - uma espécie de servidão das idéias às nossas necessidades mais íntimas, aos nossos afetos e paixões. Enquanto há saúde mental, entretanto, nossos devaneios são sempre voluntários e reversíveis; eles devem ser nossos servos e não nossos senhores.

Em estados mais doentios, esses devaneios ou fugas da realidade são emancipadas da vontade, são impostas ao indivíduo de forma absoluta e tirânica. Parece tratar-se de um indivíduo que despreza a realidade e vive uma realidade nova que lhe foi imposta involuntariamente, da qual não consegue libertar-se.

A própria concepção da realidade pode sofrer alterações nos transtornos psíquicos. Em determinados estados neuropsicológicos a realidade pode sofrer alterações de natureza bioquímica, funcional ou anatômica. Em outros estados, agora de natureza psicopatológica, os elementos da realidade também podem ser deturpados por fatores afetivos, emocionais ou psíquicos, de forma a prevalecer uma concepção do mundo determinada exclusivamente pelo interior de ser e não mais pela lógica comum a todos nós.

Ao pensamento que se afasta da realidade morbidamente, ou seja, doentiamente, damos o nome de Pensamento Derreísta em oposição ao Pensamento Realista, atrelado à realidade.

Falamos “afasta-se morbidamente da realidade” porque esse tipo de pensamento não mais depende do arbítrio que todos temos em fantasiar e voltar à realidade voluntariamente. Ele devaneia obrigatoriamente, sendo negado ao paciente a faculdade de entendimento dos limites de nossas fantasias, quando nos imaginamos ganhadores da loteria ou coisas assim, e da realidade, com a consciência plena de nossa situação.

Para aqueles que acreditam ser normal e até desejável que a pessoa tenha seus pensamentos exclusivamente atrelados ao concreto e ao real, lembramos que essa limitação imposta ao pensamento, fazendo-o incapaz de afastar-se do absolutamente concreto, leva o nome de Concretismo, que também é uma alteração da forma do pensamento(!).

O Pensamento Derreísta é aquele que se desvia da razão, faltando-lhe tenacidade para se atrelar à realidade. Sua característica principal e criar, a partir de antigas cognições e novas representações, um mundo novo e de acordo com os desejos, anseios e angústias.

De forma mais prática e didática, podemos considerar o pensamento derreísta como sendo uma espécie de Pensamento Mágico, e o pensamento realista como sendo o Pensamento Lógico. Portanto, é normal que a pessoa contenha ambos tipos de pensamento em seu psiquismo, valendo-se deles de acordo com as necessidades adaptativas.

Para resolver as necessidades práticas do cotidiano a pessoa se vale do Pensamento Lógico (realista); calcula dinheiro, planeja seu dia, prioriza atividades, dirige de acordo com as normas, comporta-se com sensatez, lógica e discernimento, etc.

Diante das necessidades interiores os Pensamentos Mágicos são mais lenitivos. Através deles a pessoa faz suas orações, nutre seus desejos e esperanças, aposta na loteria, evita passar debaixo de uma escada, acredita em seus deuses, fala da sorte ou do azar, enfim, devaneia. E normalmente esses devaneios obedecem às normas da cultura em que vivemos, ao menos em boa parte deles.

De modo geral, quanto maiores as angústias, mais recorremos aos Pensamentos Mágicos. Isso ocorre fisiologicamente nas pessoas normais mas, diante de situações psíquicas patológicas, a “opção” para o Pensamento Mágico se torna absolutamente tirânico.

Essa predileção pelo Pensamento Mágico pode se dar em vários graus; desde uma simples crença, fé, idéia supervalorizada, fanatismo, até o delírio franco. Isso significa que uma simples crença pode privilegiar a Mágica sobre a Lógica discretamente, sendo possível sair do mágico para o lógico com facilidade, enquanto no delírio, o grau maior de submissão da lógica ao mágico, o retorno voluntário ao Pensamento Lógico é basicamente impossível.

Então, para saber se a pessoa está totalmente, parcialmente ou ligeiramente submissa aos seus Pensamentos Mágicos ou, como é bom frisar bastante, totalmente submissa aos Pensamentos Mágicos de seu entorno, devemos saber se essa pessoa tem ou não delírios.

Nas Esquizofrenias, por exemplo, a pessoa perde totalmente os limites entre o mágico e o lógico (lembra de "Uma mente brilhante"?), através de seus delírios. De modo geral, qualquer patologia mental capaz de produzir delírios subjuga a lógica, privilegiando morbidamente a mágica.

Assim sendo, agora que sabemos serem os delírios os mais graves causadores da soberania do Pensamento Mágico, o problema da psicopatologia será descrever as patologias que originam delírios, conseqüentemente, que causam o domínio absoluto da mágica sobre o lógico.

Nenhum comentário: