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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Transtorno do Espectro Histérico




O termo histeria escapou, há tempos, do âmbito da medicina e passou ao uso popular. Na realidade xinga-se de histérico e não se diagnostica histérico. Essa postura cultural descaracteriza a histeria doença, influindo inclusive no médico não psiquiatra, o qual também acaba vendo o histérico como o “malandro” da medicina.

A maioria dos médicos não psiquiatras costuma adotar duas atitudes diante do paciente histérico; a expressiva maioria deles adota uma atitude de rejeição, achando que os histéricos ... não são doentes de verdade ou são doentes que não têm nada, e uma minoria, infelizmente, podem achar que a ... histeria é uma doença como as outras.

Surpreendo tanto aos médicos quanto aos leigos, essa misteriosa “doença” pode apresentar sintomas sem qualquer substrato físico, sintomas que mudam segundo a época, os costumes e as conveniências, sintomas que podem desaparecer como em um passe de mágica... E se procurarmos os motivos pelos quais os histéricos recorrem a esses sintomas, bem como o sucesso que se consegue com eles, é bem possível nos deparamos com uma inquietante dúvida: “teremos todos somos um quê de histéricos”.

A histeria sempre existiu na história humana, sempre acompanhou o ser humano desde sua introdução na vida gregária. Descrições de quadros de histeria são encontradas nos papiros egípcios que datam de 4 mil anos, como o de “Kahun”. O histórico documento descrevia vários sintomas encontrados em mulheres, normalmente representados por dores em diversos órgãos, variando até a impossibilidade de abrir a boca, caminhar e mexer as mãos. Na antiguidade, todos estes distúrbios eram remetidos a uma causa uterina.

Este órgão, supostamente acometido de inanição por descaso matrimonial ou crueldade do destino, deslocar-se-ia através do corpo feminino, prejudicando ora aqui ora ali o funcionamento dos diversos órgãos. O tratamento consistia em fazer o útero retornar ao seu local de origem. Essa recolocação do útero se fazia mediante a inalação de substâncias fétidas ou através de estranhas estripulias vaginais que o colocariam em seu devido lugar.

Platão (400 aC), diz que “... também nas mulheres e pelas mesmas razões, a chamada matriz ou útero é um animal que vive nelas com o desejo de fazer filhos. Quando fica muito tempo estéril, após o período da puberdade, tem dificuldade em suportá-lo, indigna-se, erra por todo o corpo, bloqueia os condutos do hálito, impede a respiração, causa mal-estar extremo e ocasiona doenças de toda espécie”.

Hipócrates, que foi contemporâneo de Platão, fala da histeria no capítulo reservado às doenças femininas, e corrobora a idéia da movimentação do útero no interior do corpo da mulher também serve como explicação para outras doenças, além da histeria. Por exemplo, a suspensão das regras também era provocada por esta migração uterina. Se a mulher não mantinha relações sexuais e o ventre se encontrava vazio (não grávido), o útero sofria um deslocamento devido ao ressecamento e à leveza, (maiores que o normal), provocados pela ausência do coito.

Hipócrates achava, de fato, que a sufocação da matriz (útero) ocorria, sobretudo, em mulheres que estavam em abstinência sexual e naquelas de maior idade. Em termos fisiológicos, era assim que o processo era descrito;

Naquelas mulheres, os espaços encontrar-se-iam mais vazios que ordinariamente, o útero ressecado e mais leve deslocar-se-ia em direção aos vários órgãos. Quando este se lançava sobre o fígado, causava uma sufocação súbita que interceptava a via respiratória “localizada no ventre”. Nestas ocasiões, os olhos se reviravam, a mulher tornava-se fria e lívida, cerrava os dentes, salivava abundantemente e assemelhava-se aos epilépticos em crise. O prognóstico era bom e o ataque sobrevinha em plena saúde. O útero também podia lançar-se sobre outros órgãos, como o coração, a vesícula, etc. A sintomatologia era variada: vômitos, afonia, dores de cabeça, esfriamento das pernas, etc.

O tratamento hipocrático para histeria, à semelhança dos egípcios, consistia em reconduzir o útero ao seu lugar de origem através de remédios que eram inalados e fumigações de preparados exóticos. A relação entre histeria e, digamos, preenchimento vaginal, era tão marcante que um bom remédio para os casos onde a doente perdia a voz e cerrava os dentes, seria introduzir-lhe na vagina um pessário (consolo) embebido em substâncias perfumadas até que o útero voltasse ao seu lugar. O tratamento preventivo, conseqüentemente, era o casamento para as jovens solteiras e o coito para as casadas.

Descrições do quadro clínico histérico existem em abundância na história universal, como por exemplo, nas palavras de Celso, médico da Roma antiga, que descrevia a enfermidade da matriz dizendo que às vezes, as doentes perdem o conhecimento e caem ao solo como na epilepsia, tendo como diferença das verdadeiras convulsões apenas a sialorréia e um entorpecimento profundo.

Portanto, guardando-se a distância cronológica entre os relatos de Platão e de Celso, vemos que o quadro histriônico atravessava vários séculos. Mas, a trajetória do eloqüente poder dos órgãos sexuais femininos não atravessava apenas séculos, ele se universalizava entre as diversas culturas com, basicamente, a mesma teatralidade. Segundo Marilita Lúcia Calheiros de Castro, os Murias, um antigo povo indígena, tinham uma lenda sobre “as vaginas dentadas” das mulheres que, durante a noite, abandonariam seus corpos para ir roer as colheitas.

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